domingo, 30 de outubro de 2011

Lakeside Blues

Quando voltou praquela jossa de lugar, nada mais era o mesmo: o que antes chamava de jossa era muito bom e agora era um lixo mesmo. O problema em si não era a cidade, não eram os novos hidrantes, os novos porteiros ou o novo cheiro do lago. O problema nunca seria o quanto a cidade deixou de ser vila e tornou-se habitada por pombos e jovens com carros importados. Não era o pedágio na entrada e nem o novo reverendo, nem a falta de seus pais já mortos há um bom tempo. Tudo o que não conseguia assimilar era aquela linda garota de cabelos negros agora com madeixas louras, um salto imcompreensívelmente fino e bolsas caras. E uma tinta extremamente desnecessária nos olhos. Havia deixado o povoado para trás com pontes de madeira e acordado em um local, após dezenas de corridas contra o Sol, com prédios, grafittis, prostitutas de luxo e uma moça que seria uma total estranha (passando totalmente despercebida e desprovida de fardo emocional saudosista) senão pelos olhos, que tinham o mesmo brilho e aquele constante chamado de "abraçe-me", e pelo sorriso que podia aquecer um lagarto e matá-lo de febre. E ainda que não tivesse feito muito sucesso na infância, após todos estes anos que tornaram-na uma deslumbrante mulher, fazia. Para ele, ela sempre foi o que devia ser: uma linda garota que lutava contra sua timidez e tentava puxar conversa quando as molecagens dele destruíam a situção. Ele a amava, ainda que tão cedo, e tinha certeza que ela também desfrutava deste sentimento.
Algumas miríades de pretendentes, um alto cargo numa empresa de ramo duvidoso e curvas sinuosas na medida certa usurparam a identidade inocente de aspecto quase intelectual, e depuseram-na em favor de uma autoridade egocêntrica, altiva e quiçá dominadora da nova persona. Levaram a sua admiradora secreta e trouxeram-lhe um novo objeto de desejo, ainda que imaculado, tocado pela vã fornicação do ego consumidor. Mataram seu pássaro de Minerva, cujas reais asas lindas e sublimes só podiam ser vistas em sua intimidade, quando revelava-se atravez de suas confissões de garota a mais perfeita das moças, ao menos sob seus olhos perdidamente apaixonados... Transformando-a em mais um manequim de uma loja cara.
Ainda assim, o sino da cidade balançava e chamava os fiéis para seu novo reverendo, que iria encher suas mentes de mentiras, como em sua adolescência. E para celebrar sua volta fracassada decidiu fazer como nos velhos tempos e ainda que sem o amor de sua vida ao seu lado, o agora homem sentou-se à beira do lago, sacou sua gaita, e assoprou em notas estridentes sua melancolia, acompanhada de seu blues favorito e uma garrafa de Seager's.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Sonho nº 6 (Platão em preto e escarlate)

Derivavam um prazer imensurável daquele espancamento. Afogaram-no uma, duas, vinte vezes no rio, gritando impróperios, frases feitas, pedidos de confissão e seu nome em tom jocoso. Seu raciocínio rápido infelizmente não conseguia dizer o por quê, mas sabia que iria melhorar. Não melhorou. Levaram-no até uma cruz de madeira, amarraram-no nela, atearam fogo em seus pés, e enquanto o acusavam de ter apaixonado-se por uma arlequina, riam com dentes podres e pecados aflorando em seus suores. Injustiçado, esmurrado e exalando medo, assistiu em seus ultimos momentos sua carne e sanidade queimando em um fogo cor de azeviche, em nome de um amor do qual nunca provou.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Lorde do Éter

E a fila de dominós continuava a cair. Podia-se ver suas "grandes ideias" quebrarem-se sobre sua cabeça. Pobre Elliot. As vezes a frustração era tanta que sangue escorria do nariz. "É sua pressão, tá comendo muito bacon..." Era só o que o médico dizia. Nem comia carne. As vezes lembrava-se de sua ex-garota, que nunca chegou a ser namorada, e aí se arrependia de ter ao menos pensado. Só que sentia falta de braços femininos, nem que fossem os da sua "mãe" (avó, por que mãe nunca teve). Sua vida parecia uma mesa de cassino. Dominós caindo, casas de cartas indo abaixo, palmadas violentas sobre a própria, seguidas de vociferantes "SEIS!" A vida o trucava constantemente. E metido com uma mão nojenta, copo vazio, falta de vontade e pressão alta, dava um nó four-in-hand em sua gravata 3cm, abotoava seus punhos na camisa, e ia para seu emprego medíocre, sem esperança alguma para um bom jogo. Ao menos pensava que por ser tão diferente, se o matassem e jogassem num destilador de fundo de quintal, poderia gerar grana pra algum traficante, refinando coca. Até ontem de manhã, quando atendeu a campainha meio grogue do pileque de sábado.

domingo, 23 de outubro de 2011

I don't care. (Eu não quero)

O rapaz interessadíssimo perguntava sempre sobre pastéis de carne. "Pastéis de carne estirados no chão são analogia pra cadáver, seu Maraccino?" O rapaz queria saber dos pastéis nos quadros. Eram só pastéis. "É verdade que as queimaduras nas costas só doem a noite por que tem medo do Sol?" Estava ficando pesado demais para sua enxaqueca. Então, calmamente, o artista disse que ia ao banheiro lavar seu rosto, e nunca mais voltou àquele maldito museu de arte moderna. De agora em diante, só pintaria cavalos, que são fáceis de entender.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Calafrio (ou o primeiro soluço que se tem quando volta para a casa do pai)

Que horror.. Que horror!
Pensava que não ia mais, pensava..
Trocou o a pepita de morte pelo tostão mais valioso que há,
Com o penny, comprou pacote de penne,
Só não sabia, não sabia precisar.. quantos pedacinhos estariam bons e quantos ruins.
Ah, e come todo dia. Come da massa que não sabe.
Da que não sente.
Não sentia!
De repente sentiu, de repente voltou;
(Cadê aquela frieza de antes? Não vai manter o cool?)
Frieza em fraqueza, faz questão de frizar.
Friza para si o tempo todo; Arrependido?
Não.. isso passa, há de esvair.

sábado, 15 de outubro de 2011

La vie en Bleu

Engraçado é falar de alegria. Felicidade. Euforia. Ah, refrescante. Engraçado é o Poeta, arrogante, que finge que por escrever descreve o que sente para o mundo se deleitar, quando na verdade se despe de seus sentimentos, passa a não senti-los e de quebra proibe a todos de sentirem, por que se lerem, ah, se lerem vão usurpar, nunca sentir. Usurpador? Talvez. Prefiro proferir e nunca ferir, só afiro, e não difiro, com precisão caminhando por linhas retas, nunca tortas. Idiotisse falar que Poeta escreve em linhas tortas, quem faz isso é destro querendo ser gauche (permitam-se ler ao pé da letra). Poeta pretencioso quer que todo mundo pense igual? Pff, faz-me rir. O Poeta não quer nada além dos braços da amada, quer escreva terror, quer comédia ou romance. Poeta ama, via de regra. E por divagar devagar nas rotas de sonhos, em travesseiro de penas de anjo (o qual amorosamente deu-as para proveito do mortal apaixonado por si mesmo), escreve versos de quintal regados à temível lascívia inerente ao Humano. Treme de rir quando erra seu querido português (atreva-se agora a tomar nota dos erros). E na verdade, o Poeta nem gente é. É um pedacinho de cada um que já sentiu o calor dos braços da melancolia, com suas madeixas tom noir tragante, receptiva, belíssima. O poeta lembra bem de suas noites. Pileques. Viagens. Será isso passado ou presente? Perdeu a noção, pobre rapaz.. Perdeu-a enquanto olhava a moça dançar, como cigana, sem exigir ouro, apenas pedindo atenção às voltas de suas curvas; sem ler mãos, apenas fitando os olhos do pobre Poeta, encantado por querer; não sequestra criançinhas, mas leva o coração dos que a rodeiam, e do rapaz, solene Poeta. O Poeta, no fim das contas, se despe de suas tristezas, malogros e quereres e os troca por uma boa dose de oblívio, por que o dever da noite seguinte o chama, e o Sol raia logo. Ah, Poeta, onde estás? Cigana, tu bem sabes.. E por viver a vida em trajeto ciano, ele quebra as leis entrópicas do sentir e traga seu ultimo suspiro, seguido de escuridão e sono eterno. Poeta desistiu. Desistiu de escrever, desistiu de inspirar, desistiu de despir-se. Poeta se foi, por que descobriu que seu maior amor, sua estimada mente, está caleijada de tanto esquecer, e banha-se agora em paixão descontrolada. Achou sua cigana, por fim, e desistiu dela. Despe-se por fim de seu paletó e chapéu côco, e desbrava seu último poema; silencioso, eterno.

domingo, 9 de outubro de 2011

En Passant

Passarela abarrotada, um, dois, três e muitos mais de passagem. Rápido. Não olham o pássaro, só passam, repassam, apertam o passo. Correndo, não dão atenção, não diferenciam, vivem por viver e correm, morrendo. Pacivos à paisagem, confinados em seus paços paliçados de sonhos cosmopólitas, inaproximáveis, irredutíveis; poucos centimetros de distância, léguas sobre suas têmporas cansadas, palpitantes, não se encontram, não trocam olhares, se reduzem as suas cédulas retangulares, de valor circulante. Gold rush, Gold rush, Gold rush. Pululante com fardados de escritório, maletas quase filactérias, todos com prontidão arrogante para suas discussões no púlpito de valores. A gritaria é tanta que não se vê, quanto mais se ouve, e se houve um dia algo que apaziguasse, caiu na paz do esquecimento. É tudo verbal, sem olhares, e na passarela por onde todo mundo transita, todo o Mundo prantea, sem seus sentidos. Nessa transa incessante de pés, couro, borracha, asfalto e aquele chiclete lazarento, o fel da vida é esquecido em detrimento do cotidiano, que treme em orgasmo por destruir juventudes e amargar amores. É na passarela que anos são perdidos, elos são quebrados, sonhos são construídos em alicerces de incontáveis pedras de carne e osso, e onde, quem se atreve a olhar para o lado, arrisca-se a ser capturado pela peça inimiga ou capturar seu próximo; no fim, não há coragem que sobrepuje a ganância. E ninguém, ninguém se atreve a atravessar pela treva do outro caminho, gramado, diga-se de passagem.